sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

industriafonografica@institutoetnomusicologia


O projecto compreende um estudo sistemático da história da indústria fonográfica no século XX em Portugal e o seu impacte na produção e disseminação da música, e no próprio produto musical. A investigação foi levada a cabo numa perspectiva multidisciplinar, conjugando abordagens teórico-metodológicas da Etnomusicologia, Estudos da Música Popular, História, Estudos Culturais, Antropologia e Musicologia Histórica.

Considerando os desenvolvimentos culturais, económicos e políticos no Portugal contemporâneo, bem como a história internacional da Indústria Fonográfica, este projecto teve como focos de análise: a trajectória das editoras mais importantes; o fonograma como um produto, e o equipamento associado à sua (re)produção enquadrado no processo de electrificação do país e no mercado de equipamento eléctrico; a procura de fonogramas integrada no consumo de bens culturais e no aumento de poder de compra da população; as tecnologias utilizadas e o seu impacte nos processos composicionais, nas práticas performativas, na sonoridade musical e nos comportamentos das audiências; a articulação entre indústria fonográfica, teatro de revista, música escrita e outros meios de comunicação de massas como a rádio, cinema e televisão; o enquadramento legal da produção e comercialização de fonogramas; o impacte da indústria fonográfica em domínios musicais como música popular, fado, pop-rock, folclore e música erudita; o papel da gravação na disseminação de novos domínios musicais em Portugal como o jazz e o pop-rock; a articulação da produção discográfica entre Portugal e as ex-colónias; o impacte dos fonogramas produzidos em Portugal em algumas comunidades emigrantes, e de que forma estas comunidades definiram segmentos de produção no País; o papel da publicidade e do design gráfico na promoção de fonogramas.

Foi desenvolvida uma base de dados multimédia, como repositório de informação e instrumento de pesquisa, que inclui uma discografia exaustiva das gravações comerciais de música e músicos Portugueses, bem como de músicos imigrantes; um inventário das companhias discográficas que operaram em Portugal; entradas relativas a intérpretes, técnicos de gravação, produtores discográficos, associações fonográficas, bem como outros agentes centrais na gravação e comercialização de fonogramas.

O projecto dará um importante contributo no conhecimento do património sonoro português e de uma das indústrias culturais centrais, o que se revelará útil para a comunidade académica portuguesa e estrangeira, para agentes culturais, para as editoras discográficas, para coleccionadores de discos, bem como para o público em geral. Prevemos ainda organizar um colóquio internacional onde os resultados da investigação serão discutidos e confrontados com outras investigações realizadas no domínio.

endereço: http://www.wix.com/institutoetnomusicol/industriafonografica

A página está em construção mas já tem alguns dados na entrada instituições e entradas completas sobre a Sassetti e Custódio Cardoso Pereira.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Tese de mestrado de Leonor Losa


A tese de mestrado de Leonor Losa ("Nós humanizámos a indústria". Reconfiguração da produção fonográfica e musical em Portugal na década de 60) foi defendida em 2009 na Universidade Nova de Lisboa. Trabalho de grande qualidade, fiquei a conhecer bastante melhor a atividade fonográfica do país naquele período quando o li agora.

Logo à entrada, a autora diz que a sua tese tinha por objetivo a reconfiguração da produção discográfica, em especial a do editor Arnaldo Trindade, a quem dedica os dois últimos capítulos.

O texto tem introdução, cinco capítulos e conclusões. Os nomes dos capítulos são:

2) "Musicas" e "machinas falantes": mercado de partituras e fonogramas em Portugal desde meados do século XIX até à década de 30,

3) A emergência da rádio: sobreposição de reportórios dos anos 30 ao início dos anos 60 do século XX (criação da Emissora Nacional, surgimento de "fábricas de discos" e novos reportórios, centralidade da rádio),

4) Panorama editorial em Portugal nos anos 60 (protagonismo da Valentim de Carvalho, Fábrica de Discos Rádio Triunfo: nacionalização da produção fonográfica, Sassetti: edição de novos reportórios, atividade editorial no país nos anos 60),

5) Arnaldo Trindade: percurso biográfico e constituição da editora,

6) "Nós humanizámos a indústria". Reconfiguração da produção fonográfica em Portugal na década de 60 (postura editorial de Arnaldo Trindade e relação com os músicos, produção de "música de tema": tentativas de designação genérica dos produtos musicais).

No quarto capítulo, a autora aborda a autonomização da produção fonográfica em Portugal e o protagonismo dos espetáculos (p. 57), bem como o papel da imprensa especializada, de que releva o Mundo da Canção. A criação de uma fábrica de discos da Valentim de Carvalho ocorreu no começo da década de 1960, já depois do falecimento do fundador da empresa. Um dos sobrinhos, Rui Valentim de Carvalho, contra a vontade da empresa, abriu a fábrica do Campo Pequeno, onde se realizaria a prensagem de EP de gravações originais e cópias de gravações de editoras e etiquetas estrangeiras (p. 64). Na mesma década, seria construído o estúdio de Paço d'Arcos. A centralidade de reportório no fado (caso da fadista Amália Rodrigues) e a qualidade de gravações feitas pelo técnico de som Hugo Ribeiro garantiram a supremacia da editora. A Valentim de Carvalho apostou também em estilos de música importada caso das tipologias rock'n'roll e ié-ié (pop de origem francesa). Já a Fábrica de Discos Rádio Triunfo, fundada em 1946 no Porto, começara como loja de rádios e aparelhos de transmissão (p. 65), dando início em 1948 à produção de fonogramas. A Rádio Triunfo seria também editora, tendo um catálogo forte em música de ranchos folclóricos e intérpretes que desenvolviam as suas carreiras na rádio (Tony de Matos, Maria de Lurdes Resende, Maria Clara, Gabriel Cardoso), com uma relação de proximidade com a Emissora Nacional, cujo estúdio em Vila Nova de Gaia era usado habitualmente para gravações de discos.

A Sasseti, fundada em 1848, seria comprada por António Marques de Almeida e dois outros sócios que tinham fundado a cooperativa Guilda da Música em 1967 (p. 70). Pouco tempo depois associada à organização Zip-Zip, a Sassetti teve uma forte incidência nas gravações de música erudita (Antologia da Música Europeia) e de música popular portuguesa (Sérgio Godinho, José Mário Branco, Luís Cília e José Afonso). Finalmente, a Arnaldo Trindade, cujo proprietário estivera com frequência nos Estados Unidos, distribuiu discos de cantores em voga franceses (Johnny Halliday, Françoise Hardi, Serge Gainsbourg) e ingleses (Sandie Shaw), mas também as etiquetas Island (soul music, rythm'n'blues) e Tamla Motown (reggae) (p. 76). Numa das visitas aos Estados Unidos, Arnaldo Trindade comprara uma máquina de gravação Ampex, de quatro pistas, começando a gravar em 1952. Iniciou a etiqueta Orfeu em 1956 e publicou discos do Conjunto Pedro Osório, Titãs, Conjunto Sousa Pinto, Pop Five Music Incorporated, mas também do Conjunto Maria Albertina, Conjunto António Mafra, Quim Barreiros, num apoio nítido à produção discográfica do norte do país (p. 81). Arnaldo Trindade notabilizou-se ainda pelas estratégias de promoção: oferta de fonogramas às estações de rádio, organização de concertos (exemplos: Elton John, Marino Marini, Sandie Shaw, Sylvie Vartan), publicidade televisiva e sistema contratual com os intérpretes, com pagamento de remuneração mensal tendo como contrapartida a gravação de um fonograma por ano (casos de Adriano Correia de Oliveira e José Afonso).

Textos publicados por Leonor Losa podem ler-se na Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, com direção de Salwa Castelo-Branco, conjunto de quatro volumes editados em 2010 pelo Círculo de Leitores.

Rogério Santos / Indústrias Culturais, 02/02/2012


Um artigo do jornalista Orlando Dias Agudo publicado na revista Antena, nº 80, de 1 de julho de 1968 pode ser lido no blog Indústrias Culturais. O jornalista teve ocasião de visitar as instalações da Valentim de Carvalho e da Fábrica Portuguesa de Discos da Rádio Triunfo.

(imagem de Hugo Ribeiro no referido artigo)