TV- Disco falado Uma redacção muito especial
Tudo mudara, de repente, e nós com tanta coisa para gravar, para dizer, e sem antena para o divulgar. Para ser mais rigoroso: sem atinar ainda com a forma como nos haveríamos de situar na ordem radiofónica emergente. Só assim se poderá entender, à distância de 20 anos, como foi possível esta bizarra opção por nos organizarmos em mini-redacção com a tarefa de registar em disco algumas das transformações que a revolta do Movimento dos Capitães anunciava. O lógico seria, naturalmente, mergulhar no afã jornalístico das novas redacções, libertas enfim do olhar prévio dos censores governamentais, e para elas canalizar todas as reportagens efectuadas. Foi isso que começámos por fazer, naquele início de Verão de 1974. Num ápice, porém, a Emissora Nacional, estação oficial desde 1935, passou de porta-voz do regime de Salazar e Caetano para porta-voz dos militares e de comunistas e socialistas, as duas grandes forças que de imediato se posicionaram nos lugares-chave da empresa. No Rádio Clube Português (RCP) -- transformado por exigência do plano de operações de Otelo Saraiva de Carvalho e companheiros no «Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas» --, eram os militares e a Assembleia Geral de Trabalhadores quem definia as prioridades. Enquanto isto, na Rádio Renascença -- o espaço jornalístico radiofónico mais «liberal» no período marcelista mas onde a montagem das nove horas de gravação dos acontecimentos militares do dia 25 de Abril só pôde passar dois dias depois -- multiplicavam-se os confrontos entre administração e trabalhadores e destes entre si. Compreende-se, num tal panorama político-profissional, que as três emissoras tenham virado a sua atenção, quase em exclusivo, para o terreno institucional e para a cobertura exaustiva de plenários, ocupações, conferências de imprensa, e que esse facto as levasse a distraírem-se demasiado com o lado «événementiel» (e portanto conjuntural apenas), do que se passava no continente e nas colónias.
Juntemos a estas vicissitudes próprias do pós-25 de Abril a existência, na Sassetti, de uma prestigiada colecção de Disco Falado em cujo catálogo figuravam não apenas os inevitáveis discos de poesia, como também gravações de textos em prosa e, até, de uma mesa-redonda -- eis as razões pelas quais um pequeno grupo de homens da rádio resolveu dedicar-se, em paralelo à sua actividade profissional, a um trabalho de registo, em vinil, do «Diário da Revolução».
Adelino Gomes, Público, 15/02/1994
Não surgiram no local outros meios de captação de som até ao final da tarde, o que me proporcionou o privilégio de ter podido obter sete horas de documentos sonoros da Revolução doa Cravos, que mais tarde montei num condensado de cerca de duas e meia que cedi à Rádio Renascença para difusão na noite de 26 e madrugada de 27, sob a condição de nada ser alterado, truncado ou eliminado - o que a RR respeitou.
Durante essa transmissão, fui contactado telefonicamente pelo Dr. Alberto Ferreira, director da Divisão do Disco Falado da editora Sassetti, que me propôs a edição da reportagem em disco documental. Pus-lhe as mesmas condições a que obrigara a Rádio Renascença, que aceitou e respeitou também, constituindo a montagem final que fiz sobre os acontecimentos aquilo que entendi estar deontologicamente correcto e respeitar a verdade.
Assim nasceu o disco "O dia 25 de Abril - Diário da Revolução 1974", cujo direito de edição cedi à Sassetti para uma tiragem de 2.500 exemplares, por acordo a chegarem a público com um preço inferior a 180$00, de modo a que fossem acessíveis a todas as camadas de público.
Este é um dos trabalhos de que mais me orgulho de toda a minha carreira como jornalista, sinto-me feliz por poder ter estado no centro dos acontecimentos em data tão significativa, ter encontrado as parcerias que tanto valorizaram o trabalho e ter podido garantir ao património histórico do país um relato dos acontecimentos vivido no local e no momento em que
aconteceram.
Pedro Laranjeira
Entrevistas a nomes como Vasco Santana, Jaime Cortesão, José Gomes Ferreira,
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