TEM a pose fadista de Argentina Santos na capa, um título amplo - mas não totalitário - e uma breve introdução à História de Portugal, não de todo isenta de alguns erros de cronologia. É o novo livro do britânico Paul Vernon, que também já publicou Ethnic and Vernacular Music, 1898-1960 (Greenwood Press, 1996) e o pequeno opúsculo Lines that Rhyme with Everyday Life (Minerva Press, Outubro de 1998).
Representa, para o autor, o culminar de uma longa paixão de dez anos, iniciada pela descoberta - em 1987, numa loja de discos em segunda mão de San Francisco - de uma colecção de discos de 78 rotações cujos sons o deixaram particularmente excitado. Era o fado.
Embora Vernon adiante que as suas conclusões sobre a matéria são aqui oferecidas «não como a palavra última e definitiva sobre este assunto mas antes como o relatório intermédio de um trabalho ainda em desenvolvimento e a introdução a um mundo que, espero eu, fascinará os leitores tanto como me fascinou a mim», à primeira vista parece ressaltar como evidência que esta «história do fado» é obra de um amador, senão de um curioso. Está recheada de lugares-comuns, das obrigatórias citações de Rodney Gallop (já que se parte do princípio de que «a Lisboa que Gallop encontrou em 1931 era essencialmente a mesma que Maria Severa conhecera um século antes») e de outros britânicos em percurso alfacinha. Os dois capítulos iniciais (respectivamente dedicados às «Origens» e aos «Instrumentos») são súmulas tão sumárias que se tornam confrangedoras - em especial porque, quando comparados com o volume de fontes e de documentos citados na bibliografia, permitem alimentar a suspeita de que o autor terá naufragado, sem bússola, nesse imenso oceano de informação e de que só a muito custo nós próprios conseguiremos sobreviver aos quatro capítulos seguintes (sobre «Lisboa», «Porto e Coimbra», «A Indústria Fonográfica» e «A Diáspora»).
Mas, entre a evocação da saudade, dos poetas-fadistas, de Pessoa e de outros vultos desaparecidos (como Adelina Fernandes, Armandinho, Estêvão Amarante, Artur Paredes, António Menano e, claro, Amália Rodrigues), o autor consegue sair de forma relativamente airosa desta refrega. Em boa parte isso deve-se às suas anotações sobre o aparecimento e a implantação da indústria discográfica em Portugal, conseguidas pelo recurso à consulta dos arquivos de correspondência da companhia His Master's Voice (antepassada da actual EMI). Surge assim um quadro assaz interessante da competição industrial (primeiro entre a Odeon inglesa e a Pathé francesa) que norteou a produção fonográfica europeia durante as primeiras décadas do século e do modo como ela comandou a selecção, produção e edição dos novos artistas e repertórios: «Os anos entre 1904 e 1925 foram um período de particular abertura e liberdade para a indústria portuguesa de discos. Os artistas ganhavam alguns escudos por cada lado gravado, nunca lhes sendo oferecidos contratos de edição com percentagem de 'royalties'.»
Referem-se também as primeiras evidências de pirataria, como no caso dos discos Chiadofone, que eram na realidade discos prensados por outras companhias mas com um novo logotipo colado sobre o rótulo original. Perante esta situação, «a companhia francesa Simplex integrou um dispositivo antipirataria no início de cada disco. Uma voz masculina gritava 'Discos Simplex!' antes do início da música, para que não restassem dúvidas sobre a origem da gravação». Esta e outras curiosidades, como a guerra comercial entre empresas de Lisboa e do Porto pela concessão em exclusivo da distribuição de discos e grafonolas britânicos em todo o território nacional - e mesmo cópias de alguns contratos -, constituem de facto o melhor desta obra e a primeira razão para a sua consulta.
Uma segunda razão é o CD oferecido, que contém uma compilação de 24 fados registados entre 1911 e 1944, incluindo raridades como um instrumental do célebre guitarrista Armandinho (1929); Adelina Fernandes (a cantora mais bem paga do seu tempo) interpretando «Fado Penim» (1928); dois temas de José Joaquim Cavalheiro e Carlos Leal, fadistas do Porto; diversas gravações coimbrãs pelas vozes de António Batoque, Edmundo de Bettencourt, António Menano e Paradela de Oliveira ou com a inconfundível guitarra de Artur Paredes; e mesmo duas gravações de fado produzidas no Rio de Janeiro em 1933/34.
Apesar de tudo isto, o preço da obra (12.000$00) é exagerado, em especial se pensarmos que a sua produção foi apoiada financeiramente pelo Ministério da Cultura e pela Associação Luso-Britânica Portugal 600.
JORGE P. PIRES, Expresso, 1999
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