"A maneira como o meu sobrinho gosta de si, é impossível ser mais bem tratada noutro sítio." A carta do fundador da Valentim de Carvalho a Amália Rodrigues - que David Ferreira nunca leu mas de que sempre ouviu falar - explicava bem a paixão que Rui Valentim Barbosa de Carvalho tinha pela fadista.
Antes de ser o seu editor histórico era um admirador. "A relação com Amália começou como fã, quase a persegui-la. Ela ficou agradada, claro, mas chegou a dizer-lhe: 'Devia era ir atrás da minha irmã mais nova, a Betinha'", conta David Ferreira, sobrinho de Rui Valentim de Carvalho.
Onze anos mais novo, torna-se editor de Amália em 1952, tinha então 21 anos, e iria trabalhar com ela até a diva do fado morrer, em 1999. "Tinham uma relação próxima, ele ia para o estúdio, não ficava fechado no gabinete. Naquelas famosas sessões em que ela levava arroz de pimentos e pastéis de bacalhau, ele estava lá. Também assiste a espectáculos pelo mundo fora e defende-a quando o fado de Amália choca muitos. Estava sempre do lado dela", diz David Ferreira. O musicólogo e especialista em fado Rui Vieira Nery acrescenta mais detalhes sobre a relação. "Preocupou-se sempre com dar a Amália as condições ideais para esta gravar sem constrangimentos, num ambiente informal, quando queria. A Amália gravava durante a noite, até à hora que melhor lhe convinha, cercada de amigos, para que o seu talento não fosse perturbado. Era um grande amigo pessoal da Amália, nos momentos mais difíceis, no pós-25 de Abril e, mais à frente, na doença dela. Um pilar da vida e da carreira da Amália."
EDITOR EXEMPLAR O "grande Editor do século xx", como a empresa - onde trabalhou mais de 50 anos e que foi fundada pelo seu tio, Valentim de Carvalho - o recordou, morreu ontem no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, aos 82 anos, sofrendo de doença de Alzheimer. O "editor exemplar", lembrado "como pessoa muito afectuosa, muito requintada e culta", nas palavras de Rui Vieira Nery, não trabalhou apenas com Amália Rodrigues.
EDITOR EXEMPLAR O "grande Editor do século xx", como a empresa - onde trabalhou mais de 50 anos e que foi fundada pelo seu tio, Valentim de Carvalho - o recordou, morreu ontem no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, aos 82 anos, sofrendo de doença de Alzheimer. O "editor exemplar", lembrado "como pessoa muito afectuosa, muito requintada e culta", nas palavras de Rui Vieira Nery, não trabalhou apenas com Amália Rodrigues.
Outros grandes nomes do fado passaram pela editora, Carlos Paredes, Alfredo Marceneiro, Hermínia Silva, Carlos Ramos, Lucília do Carmo, Max, Maria Teresa de Noronha ou Fernando Farinha. Ainda nos anos 80, ao lado da mulher, Maria Nobre Franco, administrava a Valentim quando saem nomes como Rui Veloso, GNR ou António Variações. E já antes tinha assinado com nomes que nada tinham a ver com o fado, como Quarteto 1111, Sheiks e Duo Ouro Negro.
No final dos aos 60 vai para Angola e apaixona-se pela música angolana. "Ele é recordado pela sua ligação à Amália, mas é muito mais do que isso, até pela circunstância de ler levado para os seus estúdios o sobrinho David Ferreira e Francisco Vasconcelos, que são sem dúvida dois dos principais responsáveis por quase tudo o que é bom na música portuguesa de hoje, desde o tempo do rock do Rui Veloso a dos Madredeus. Tanta gente... É indiscutivelmente uma das figuras incontornáveis da música portuguesa", defende o jornalista Pedro Rolo Duarte, que conheceu o editor e o recorda como um homem muito generoso. As preocupações artísticas e de qualidade estavam sempre presentes, como defende Rui Vieira Nery: "No universo da indústria discográfica há normalmente uma obsessão com o lucro. No Tim, como era conhecido, sempre vi o fascínio pela música, a paixão pela arte, a vontade de fazer coisas que ficassem como legados artísticos importantes."
Houve um nome que ficou fora do seu legado mas sempre na sua wish list. "Sei que ele queria muito José Afonso, que gravou quatro músicas e depois foi para a editora Orfeu. Como a Valentim de Carvalho era uma grande editora, o José embirrava porque a imagem era a do sistema", conta David Ferreira.
Visionário, foi ele que criou os estúdios Valentim de Carvalho, nos anos 60, que se tornaram uma referência. Depois da primeira gravação de Amália para a Editora Valentim de Carvalho, em Londres, nos estúdios de Abbey Road, a vontade de fazer um estúdio assim em Portugal tornou-se mais forte. Os estúdios em Paço de Arcos eram tão bons que nomes como Júlio Iglésias, Cliff Richard, os Shadows, Vinícius de Moraes e os Rolling Stones vieram cá gravar.
APARELHOS E BOTÕES Esta história podia começar como uma brincadeira de miúdos que adoram mexer em botões e construir engenhocas e ficar-se por aí. Um estágio a montar rádios e pronto. Mas Rui Valentim de Carvalho, filho do advogado Jacinto Barbosa de Carvalho e de Adelaide Carvalho, irmã mais nova do fundador da editora, acabou por mudar o final da história.
Aos 13 anos, ainda no ensino técnico, vai trabalhar para a empresa fundada pelo tio em 1914. A Valentim de Carvalho começou por vender gramofones e instrumentos musicais. Só seis anos depois se tornaria a primeira editora discográfica portuguesa. "Dirigir a empresa é uma coisa que nem lhe passava pela cabeça. Tinha um tio com uma empresa e ele, encantado com rádios, vai para lá. A primeira paixão eram os aparelhos. Depois, aos 15, o tio manda-o para Inglaterra, para a EMI", conta David. Chegar a Inglaterra não o deixa com a mania das grandezas e vai trabalhar como operário. "O Rui vai estagiar, mas não é num lugar importante, vai para a fábrica meter discos nas prensas. Depois faz os recados em Abbey Road e ainda esteve atrás do balcão da loja His Master's Voice em Oxford Street. Aprende-se a trabalhar", explica o sobrinho.
Homem reservado, tímido até, não gostava de dar entrevistas. O sobrinho recorda que, quando foi o incêndio no Chiado - a editora ficava na Rua Nova do Almada -, o tio não queria falar com os jornalistas e empurrou o jovem David Ferreira para falar. Mas o que fica para a história é o seu trabalho de editor e, para o sobrinho, a pessoa muito afectuosa, generosa e informal que "adorava cães e que os cães adoravam".
Houve um nome que ficou fora do seu legado mas sempre na sua wish list. "Sei que ele queria muito José Afonso, que gravou quatro músicas e depois foi para a editora Orfeu. Como a Valentim de Carvalho era uma grande editora, o José embirrava porque a imagem era a do sistema", conta David Ferreira.
Visionário, foi ele que criou os estúdios Valentim de Carvalho, nos anos 60, que se tornaram uma referência. Depois da primeira gravação de Amália para a Editora Valentim de Carvalho, em Londres, nos estúdios de Abbey Road, a vontade de fazer um estúdio assim em Portugal tornou-se mais forte. Os estúdios em Paço de Arcos eram tão bons que nomes como Júlio Iglésias, Cliff Richard, os Shadows, Vinícius de Moraes e os Rolling Stones vieram cá gravar.
APARELHOS E BOTÕES Esta história podia começar como uma brincadeira de miúdos que adoram mexer em botões e construir engenhocas e ficar-se por aí. Um estágio a montar rádios e pronto. Mas Rui Valentim de Carvalho, filho do advogado Jacinto Barbosa de Carvalho e de Adelaide Carvalho, irmã mais nova do fundador da editora, acabou por mudar o final da história.
Aos 13 anos, ainda no ensino técnico, vai trabalhar para a empresa fundada pelo tio em 1914. A Valentim de Carvalho começou por vender gramofones e instrumentos musicais. Só seis anos depois se tornaria a primeira editora discográfica portuguesa. "Dirigir a empresa é uma coisa que nem lhe passava pela cabeça. Tinha um tio com uma empresa e ele, encantado com rádios, vai para lá. A primeira paixão eram os aparelhos. Depois, aos 15, o tio manda-o para Inglaterra, para a EMI", conta David. Chegar a Inglaterra não o deixa com a mania das grandezas e vai trabalhar como operário. "O Rui vai estagiar, mas não é num lugar importante, vai para a fábrica meter discos nas prensas. Depois faz os recados em Abbey Road e ainda esteve atrás do balcão da loja His Master's Voice em Oxford Street. Aprende-se a trabalhar", explica o sobrinho.
Homem reservado, tímido até, não gostava de dar entrevistas. O sobrinho recorda que, quando foi o incêndio no Chiado - a editora ficava na Rua Nova do Almada -, o tio não queria falar com os jornalistas e empurrou o jovem David Ferreira para falar. Mas o que fica para a história é o seu trabalho de editor e, para o sobrinho, a pessoa muito afectuosa, generosa e informal que "adorava cães e que os cães adoravam".
Vanda Marques / I (com Miguel Branco)
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