O PRIMEIRO produtor discográfico estrangeiro a operar em Portugal terá sido o americano Sinkler Darby, que ao longo do Outono de 1900 registou, em discos de uma só face e com 15 centímetros de diâmetro, 67 sessões musicais com diversos cantores e instrumentistas na cidade do Porto. Ficou dele a memória, já que não existem indícios de que essas gravações tenham sobrevivido ao tempo. As máquinas e os suportes utilizados na época eram muito frágeis, e o processo de gravação nem sequer dependia ainda da electricidade - gravar um disco era uma mera manobra acústica e mecânica, provavelmente simples, mas não ao alcance de todos. Só podia ser efectuada por escuteiros como Darby, que era engenheiro técnico da empresa londrina Gramophone Company (Gramco). Poderemos chamar-lhe produtor porque lhe cabia apresentar o produto - o que o trouxe ao Porto não foi o acaso, mas a missão de avaliar a qualidade, quantidade e variedade do repertório local, aferindo simultaneamente as possibilidades do mercado autóctone e as opções disponíveis para um representante português dos discos e grafonolas britânicas.
O sistema de gravação e leitura audio fora patenteado por Emile Berliner em 1887. Três anos depois, face ao sucesso dos primeiros discos comercializados nos EUA, a Victor Company - sediada em Camden, New Jersey - e a britânica Gramco estabeleceram um «tratado de Tordesilhas» para dividirem entre si o comércio mundial do novo produto e das grafonolas necessárias para poder usufruir dele. A empresa de New Jersey tomaria a seu cargo todo o continente americano, incluindo o Canadá e as Caraíbas, bem como o Japão e uma parte substancial da Ásia. Por conta da Gramco ficaria a Europa inteira, os impérios russo e otomano, a África e a Índia, o Médio Oriente e a Australásia. China e Extremo-Oriente seriam partilhados entre ambos.
Mas em Novembro de 1903, Max Strauss e Heinrich Zuntz fundaram em Berlim a Odeon, que se veio intrometer neste negócio com uma postura agressiva e alguns trunfos inesperados: por exemplo, a introdução dos discos com duas faces, em 1904. Nesse mesmo ano, a Odeon tornou-se o primeiro fabricante a fazer-se representar em Portugal - mais exactamente, no estabelecimento de Ricardo Lemos, que no nº 304 da Rua Formosa, Porto, vendia bicicletas, baterias e outros engenhos que o novo século trouxera ao nosso convívio. Com o aparecimento de novos concorrentes (a Simplex e a Ideal francesas, as alemãs Favourit e Beka, e mesmo as portuguesas Chiadofone e Luzofone), nos dez anos seguintes os técnicos estrangeiros passaram a ser visita frequente das casas nocturnas de Lisboa e Porto. Eram os mais habilitados a proceder à operação da maquinaria, eram eles quem garantia a qualidade técnica da gravação, mas eram também eles quem assegurava a contratação do artista e do reportório.
No entanto, passou a suceder com frequência, em Portugal como noutros lados, que um artista fosse contratado sucessivamente por várias companhias sem nunca alterar o seu reportório habitual; de onde resultava haver várias etiquetas a vender as mesmas canções do mesmo artista. Por essa e outras razões - uma das quais, a partir dos anos 30, a necessidade de se manterem actualizadas em relação aos gostos musicais socialmente instituídos pela rádio -, as empresas discográficas descobriram a dada altura a figura do produtor/director musical. Na sua versão mais vulgar, eles eram os típicos funcionários, burocráticos e aprumados, que se preocupavam em grosso com as questões da «qualidade» e da «exclusividade», numa época em que os artistas recebiam por cada canção gravada, e não por cada disco vendido.
Texto de JORGE P. PIRES, Expresso, 29/05/1999
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